sábado, 18 de janeiro de 2014

ZÉ LIMEIRA - VERDADE OU MITO - O POETA DO ABSURDO

Tive o prazer de conhecer a poesia de Zé Limeira por meio dos folhetos de cordel. Fiquei impressionado com a capacidade criativa deste poeta paraibano, pois suas imagens beiram o Surrealismo, mas ao mesmo tempo nos faz rir e refletir por meio de situações engraçadas.
Conhecer Zé Limeira é também revisitar a história de Campina Grande e da Paraíba. Vale a pena conhecer um pouco sobre este poeta popular.
Desse modo, leia os texto de Bráulio Tavares e de Mouzar e assista o documentário " O homem que viu Zé Limeira", algo quase inédito, impressionantes depoimentos sobre Orlando Tejo, confira e comente sobre o que achou de Zé Limeira.  
 Johniere Alves Ribeiro  


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Está disponível no YouTube (http://bit.ly/IFR927) o documentário da TV Senado, dirigido por Maurício Melo Jr., “O Homem Que Viu Zé Limeira”, sobre o poeta Orlando Tejo e o seu famoso personagem. Zé Limeira é um personagem épico, no sentido de ser alguém que provavelmente teve existência física mas acabou recebendo uma estatura mitológica. Virou um agregador de lendas, um atrator da imaginação alheia. O cantador de Tauá tornou-se assim por obra e graça de Orlando Tejo e seu livro “Zé Limeira, o Poeta do Absurdo”, um dos livros clássicos sobre a Cantoria de Viola, além de sobre Campina Grande e a Paraíba inteira.
Em princípios dos anos 1970, mais ou menos, Orlando Tejo decidiu-se a colocar no papel as histórias que sabia sobre Zé Limeira, que era um negro alto, de voz poderosa, e tinha um carisma peculiar onde se misturavam a simpatia, uma certa ingenuidade ou primitivismo (consta que ele tinha medo de trem de ferro) e uma capacidade inesgotável para fazer versos sem pé nem cabeça.
Toda cultura tem seu capítulo de nonsense, e muita gente já registrou, aqui mesmo no Nordeste, a presença de poetas que dão 100% de atenção ao som e zero ao sentido. Poetas que vivem para a métrica e a rima, sem dar a menor bola para o que estão dizendo. Zé Limeira tornou-se tão famoso, devido ao livro de Tejo, que hoje certamente muitos versos absurdos de outros poetas são transferidos para ele. Isso sem falar nos versos (esta questão é debatida no filme) que teriam sido escritos por Otacílio Batista e outros amigos de Tejo, depois que este se preocupou com a pequena quantidade de versos autênticos que teria recolhido.
Poeta contando história, os versos que achou são poucos? Não tem problema, qualquer um faz mais. Não é tão difícil, havendo um tal precedente. Quando eu fazia parte da Comissão de Seleção do Congresso Nacional de Violeiros, em Campina, incluí o mote “Se eu quiser eu também faço / igualzinho a Zé Limeira”, que é glosado até hoje, e aparece também no filme. Limeira virou um estilo, pouco importa a pessoa.
O filme entrevista inúmeros poetas e fãs da cantoria (eu inclusive), mas devemos tirar um chapéu especial para Vladimir Carvalho. Deve-se a ele, e a sua mania de filmar tudo, a presença viva de Orlando Tejo neste documentário: falando, rindo, recitando, descrevendo Zé Limeira em detalhes, cantando sambas. (Eu conheço Tejo há quase 50 anos e nunca o tinha visto tocando violão.) Boêmio, gozador, improvisador fino, gente boa até a medula, Orlando Tejo deveria ter sua obra poética esparsa reunida em livro, e se isto acontecer um dia talvez ele acabe se tornando mais famoso do que sua mais famosa criação.
( Bráulio Tavares - O colunista é escritor, compositor, estudou cinema e é pesquisador de literatura fantástica. Contato com o colunista: btavares13@terra.com.br - PUBLICADO EM 14/12/2013 ÀS 08:00H no jornal da paraíba)



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Zé Limeira,  poeta do Absurdo
“A primeira vez que ouvi falar de Zé Limeira foi quando fechávamos o número 1 do Versus, o jornal mais bonito (e certamente estava entre os de melhor qualidade) que a esquerda já teve, no Brasil.
Era final de 1975. O jornal foi lançado poucos dias depois do assassinato de Vladimir Herzog, o clima era tenso. Mas Versus foi lançado como “um jornal de ideias e cultura”. Assim mesmo algumas pessoas tiveram, se não medo, receio de que haveria repressão. Não houve.

Era um negro analfabeto nascido no final do século XIX, em Teixeira (Paraíba), que morreu em 1955. O também poeta Orlando Tejo foi o grande responsável pelo registro da poesia de Zé Limeira, cantador bom de viola, voz potente, que deixava perdidos os que ousavam desafiá-lo, soltando palavras que não existiam em nenhum dicionário, mas que o povo achava bonitas e aplaudia. Mas não eram só palavras inexistentes que ele usava, eram situações inexistentes também, juntando personalidades e fatos célebres que se passaram em séculos muito diferentes. Jesus Cristo, Getúlio Vargas, Napoleão Bonaparte, Tomé de Souza e outros vultos históricos aparecem às vezes convivendo nos mesmos versos, às vezes em situações absurdas, como Jesus Cristo “sentando praça na polícia”.
Orlando Tejo conheceu Zé Limeira e o ouviu pela primeira vez em 1940. Registrou seus versos e publicou o livro “Zé Limeira, poeta do absurdo”, cuja última edição, se não me engano, é do ano 2000. É possível encontrar esse livro em sebos, e quem tiver oportunidade não deve perder: adquira que vale a pena. Aliás, uma lembrança: muita gente acha que Zé Limeira não existiu, que é uma lenda criada por Orlando Tejo, pois não existem fotos dele.
Bom, eu que sempre apreciei cantadores de feira nordestinos, os cordéis, depois que li Zé Limeira, passei a achar todos eles secundários. O negro analfabeto paraibano não tem quem o iguale! Querem uma amostra dos versos dele? Lá vai.

A virgem Maria estava
Brigando com São José:
Você vendeu a jumenta
Me deixou andando a pé
Desta maneira eu termino
Voltando pra Nazaré!

Nisso gritou São José
Maria, deixa de asneira!
Vou comprar outra jumenta
Do jeitinho da primeira,
Quando ouviram uma zuada
No descer duma ladeira

Era um caminhão de feira
Que vinha da Galileia.
São José disse eu vou ver
Se tem canto na boleia
Que possa levar nós três
Até perto da Judeia!

São José deu com a mão,
O motorista parou.
Tem três canto pra nós três?
Jesus foi quem perguntou.
Disse o motorista tem,
Jesus respondeu eu vou!

E foram subindo os três.
Disse o motorista: para!
A gasolina subiu
A passagem é muito cara.
Vocês estarão pensando
Que meu carro é pau-de-arara?

São José puxou da faca
Pra furar os pneus.
Jesus já muito amarelo
Disse assim quando desceu:
Valha-me Nossa Senhora,
Que diabo fizemos eu?!

Vultos históricos
Getúlio foi home bom,
Fazia carnificina.
Gostava de comer fava
Misturada com resina
Sofreu mas ainda foi
Delegado de Campina
 
Pedro Álvares Cabral,
Invento do telefone,
Começou a tocá trombone
Na volta de Zé Leal
Mas como tocava mal
Arranjou dois instrumento
Daí chegou um sargento
Querendo enrabar os três.
Quem tem razão é o freguês
Diz o Novo Testamento.
 
Quando Dom Pedro Segundo
Governava a Palestina
E Dona Leopoldina
Devia a Deus e ao mundo,
O poeta Zé Raimundo
Começou a castrar jumento.
Teve um dia um pensamento:
Aquilo tudo é boato
Oito noves fora quatro
Diz o Novo Testamento.

( Texto de Mouzar Benedito – adaptação Johniere Alves Ribeiro; POEMAS DE Zé Limeira) 

Um comentário:

  1. Algumas estrofes minhas em homenagem ao grande Zé Limeira.

    Foi num porto da Bahia
    Que Dom João chegou bem cedo
    Dava pra contar no dedo
    A bagagem que trazia
    Uma dúzia de bacia
    Dois fardos de algodão
    Gasolina de avião
    Do café trouxe a semente
    Duas bíblias uma de crente
    Outra do rei Salomão

    Cristo enforcou Jesus
    Na beira do rio Jordão
    Na noite de São João
    Num galho de cipó-cruz
    Comeu pirão com cuzcuz
    No meio da cabroeira
    Na noite de sexta-feira
    Cantou prosa e rezou missa
    José e Maria castiça
    Diria assim Zé Limeira

    No tempo da ditadura
    Eu rezei pro pai eterno
    Fez sol mas deu bom inverno
    Plantei fava e rapadura
    Veja só que formosura
    A “muié” de Barbosinha
    Se ela tivesse sozinha
    E o cachorro amarrado
    Eu levava ela prum lado
    E uma cuia de farinha

    O pai da aviação
    Por nome Drumon Andrade
    Sem dó e nem piedade
    Se atracou com Lampião
    Na bainha um facão
    Na matula um castiçal
    Gritou pra São Nicolau
    Acuda-me nessa hora
    Disse isso e foi-se embora
    Deixando um cartão postal

    Por causa da Ditadura
    O Brasil foi descoberto
    Um navio chegou perto
    Da curva da ferradura
    Dom Pedro fez a leitura
    Na borda da ribanceira
    Cabral trouxe uma cadeira
    Sem dó e sem ter clemência
    Proclamou a independência
    Diria assim Zé Limeira

    Jesus tirou diplomança
    De doutor em curamento
    No primeiro atendimento
    Passou a faca na pança
    Da mulher do rei da França
    Pra curar a joanéte
    Cego estando o canivete
    A mulher sentiu cosquinha
    Jesus com a cara lisinha
    Disse: "nega se aquete" !!

    Adão foi feito do barro
    Da beira do Rio da Anta
    Parou, bebeu uma Fanta
    Depois fumou um cigarro
    Tava passando um carro
    Com Madalena e João
    Ela tocando pistão
    Ele com a mão nos "joeio"
    Ergueu o dedo do meio
    E apontou pra Adão!

    O pai da "filosomia"
    Por nome Tristão da Cunha
    Teve encravada uma unha
    Prumodi um bãi d'água fria
    Gritô pra Virgem Maria:
    "Valei-me meu Pai Eterno
    Se não fizer bom inverno
    E meu feijão não vingá
    Vendo tudo que sobrá
    Vou pra feira e compro um terno"

    Dom Pedro e Napoleão
    Combinaram casamento
    Compraram apartamento
    Levaram cama e fogão
    Sem luz na escuridão
    Foi aquela "bagunceira"
    Funhaharam a noite inteira
    Depois ficaram de mal
    Hoje é um tal de quebra-pau
    Diria assim Zé Limeira

    Foi quando Napoleão
    Se elegeu Rei do Egito
    Menelau passou-lhe "um pito"
    Abolindo a escravidão
    Dom Pedro com um facão
    Disse: "O Brasil tá liberto"
    Lampião lá no deserto
    Achou aquilo engraçado
    Contratou um advogado
    Seu nome era Zé Roberto

    São João evangelista
    Rezou a missa do galo
    Foi no lombo dum cavalo
    Que Jesus cruzou a pista
    Desceu e mostrou a lista
    Com os quinze testamento
    Assoprou um pé de vento
    Rasgou cinco folha escura
    Só restou dez escritura
    Eu digo falo e sustento


    Um dia no paraiso
    Vi Caim chamando Adão
    Dizendo que o sacristão
    Na missa deu prejuizo
    Da cobra cortou o guizo
    Vendeu por cem mil cruzeiro
    Depois comprou um carneiro
    Assou porém não comeu
    Ouvi de um amigo meu
    Vai chover o mês inteiro

    Na cidade de Belém
    Por volta de meio-dia
    Vi passando uma cotia
    Com um bilhete de trem
    Deu duas notas de cem
    Prum vendedor de peneira
    Eu que voltava da feira
    Vi tudo e fiquei calado
    Mais um dia e tô casado
    Diria assim Zé Limeira

    Um artista aleijadinho
    D'um pau fez esculturança
    Mandou entregar na França
    No lombo de um jumentinho
    Não achando o lugarzinho
    Se livrou do carregado
    E passando num mercado
    Comprou vinho queijo e pão
    Passagem de avião
    Com o dinheiro arrecadado

    Um dia na Galeléia
    Tava Pedro acocorado
    Fazendo força um bocado
    Nisso passou uma "véia"
    "Sai pra lá sua mocréia"
    Disse Pedro em alvoroço
    Foi quando caiu um trôço
    E Pedro desenxavido
    Disse a velha: "ô trem fidido"
    E saiu pisando grosso

    Do cantar, foi no terceiro
    que o galo deu, quando Judas
    se enforcou em duas mudas
    grandes d'um abacateiro.
    Jesus foi quem viu primeiro,
    e fingiu saber de nada.
    Passou Pedro em disparada
    e gritou pra São Thiago:
    "Corre aqui e traz um trago,
    da cachaça amarelada."

    (Zé Roberto)

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