Tive o prazer de conhecer a poesia de Zé Limeira por meio dos folhetos de
cordel. Fiquei impressionado com a capacidade criativa deste poeta paraibano,
pois suas imagens beiram o Surrealismo, mas ao mesmo tempo nos faz rir e
refletir por meio de situações engraçadas.
Conhecer Zé Limeira é também revisitar a história de Campina Grande e da Paraíba. Vale a pena conhecer um pouco
sobre este poeta popular.
Desse modo, leia os texto de Bráulio Tavares e de Mouzar e assista o documentário " O homem que viu Zé Limeira", algo quase inédito, impressionantes depoimentos sobre Orlando Tejo, confira e
comente sobre o que achou de Zé Limeira.
Johniere Alves Ribeiro
PS:Sites sobre o poeta http://www.jornalistasecia.com.br/edicoes/culturapopular08.pdf
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Está disponível no YouTube (http://bit.ly/IFR927) o documentário da TV
Senado, dirigido por Maurício Melo Jr., “O Homem Que Viu Zé Limeira”, sobre o
poeta Orlando Tejo e o seu famoso personagem. Zé Limeira é um personagem épico,
no sentido de ser alguém que provavelmente teve existência física mas acabou
recebendo uma estatura mitológica. Virou um agregador de lendas, um atrator da
imaginação alheia. O cantador de Tauá tornou-se assim por obra e graça de
Orlando Tejo e seu livro “Zé Limeira, o Poeta do Absurdo”, um dos livros
clássicos sobre a Cantoria de Viola, além de sobre Campina Grande e a Paraíba
inteira.
Em princípios dos anos 1970, mais ou menos, Orlando Tejo decidiu-se a colocar no papel as histórias que sabia sobre Zé Limeira, que era um negro alto, de voz poderosa, e tinha um carisma peculiar onde se misturavam a simpatia, uma certa ingenuidade ou primitivismo (consta que ele tinha medo de trem de ferro) e uma capacidade inesgotável para fazer versos sem pé nem cabeça.
Toda cultura tem seu capítulo de nonsense, e muita gente já registrou, aqui mesmo no Nordeste, a presença de poetas que dão 100% de atenção ao som e zero ao sentido. Poetas que vivem para a métrica e a rima, sem dar a menor bola para o que estão dizendo. Zé Limeira tornou-se tão famoso, devido ao livro de Tejo, que hoje certamente muitos versos absurdos de outros poetas são transferidos para ele. Isso sem falar nos versos (esta questão é debatida no filme) que teriam sido escritos por Otacílio Batista e outros amigos de Tejo, depois que este se preocupou com a pequena quantidade de versos autênticos que teria recolhido.
Poeta contando história, os versos que achou são poucos? Não tem problema, qualquer um faz mais. Não é tão difícil, havendo um tal precedente. Quando eu fazia parte da Comissão de Seleção do Congresso Nacional de Violeiros, em Campina, incluí o mote “Se eu quiser eu também faço / igualzinho a Zé Limeira”, que é glosado até hoje, e aparece também no filme. Limeira virou um estilo, pouco importa a pessoa.
O filme entrevista inúmeros poetas e fãs da cantoria (eu inclusive), mas devemos tirar um chapéu especial para Vladimir Carvalho. Deve-se a ele, e a sua mania de filmar tudo, a presença viva de Orlando Tejo neste documentário: falando, rindo, recitando, descrevendo Zé Limeira em detalhes, cantando sambas. (Eu conheço Tejo há quase 50 anos e nunca o tinha visto tocando violão.) Boêmio, gozador, improvisador fino, gente boa até a medula, Orlando Tejo deveria ter sua obra poética esparsa reunida em livro, e se isto acontecer um dia talvez ele acabe se tornando mais famoso do que sua mais famosa criação.
Em princípios dos anos 1970, mais ou menos, Orlando Tejo decidiu-se a colocar no papel as histórias que sabia sobre Zé Limeira, que era um negro alto, de voz poderosa, e tinha um carisma peculiar onde se misturavam a simpatia, uma certa ingenuidade ou primitivismo (consta que ele tinha medo de trem de ferro) e uma capacidade inesgotável para fazer versos sem pé nem cabeça.
Toda cultura tem seu capítulo de nonsense, e muita gente já registrou, aqui mesmo no Nordeste, a presença de poetas que dão 100% de atenção ao som e zero ao sentido. Poetas que vivem para a métrica e a rima, sem dar a menor bola para o que estão dizendo. Zé Limeira tornou-se tão famoso, devido ao livro de Tejo, que hoje certamente muitos versos absurdos de outros poetas são transferidos para ele. Isso sem falar nos versos (esta questão é debatida no filme) que teriam sido escritos por Otacílio Batista e outros amigos de Tejo, depois que este se preocupou com a pequena quantidade de versos autênticos que teria recolhido.
Poeta contando história, os versos que achou são poucos? Não tem problema, qualquer um faz mais. Não é tão difícil, havendo um tal precedente. Quando eu fazia parte da Comissão de Seleção do Congresso Nacional de Violeiros, em Campina, incluí o mote “Se eu quiser eu também faço / igualzinho a Zé Limeira”, que é glosado até hoje, e aparece também no filme. Limeira virou um estilo, pouco importa a pessoa.
O filme entrevista inúmeros poetas e fãs da cantoria (eu inclusive), mas devemos tirar um chapéu especial para Vladimir Carvalho. Deve-se a ele, e a sua mania de filmar tudo, a presença viva de Orlando Tejo neste documentário: falando, rindo, recitando, descrevendo Zé Limeira em detalhes, cantando sambas. (Eu conheço Tejo há quase 50 anos e nunca o tinha visto tocando violão.) Boêmio, gozador, improvisador fino, gente boa até a medula, Orlando Tejo deveria ter sua obra poética esparsa reunida em livro, e se isto acontecer um dia talvez ele acabe se tornando mais famoso do que sua mais famosa criação.
( Bráulio Tavares - O colunista é escritor, compositor, estudou cinema e é pesquisador de
literatura fantástica. Contato com o colunista: btavares13@terra.com.br - PUBLICADO EM 14/12/2013 ÀS 08:00H no jornal da
paraíba)
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Zé
Limeira, poeta do Absurdo
“A primeira vez que ouvi falar de Zé Limeira foi
quando fechávamos o número 1 do Versus,
o jornal mais bonito (e certamente estava entre os de melhor qualidade) que a
esquerda já teve, no Brasil.
Era final de 1975. O jornal foi lançado poucos
dias depois do assassinato de Vladimir Herzog, o clima era tenso. Mas Versus foi lançado como “um jornal de ideias
e cultura”. Assim mesmo algumas pessoas tiveram, se não medo, receio de que
haveria repressão. Não houve.
Era um negro analfabeto nascido no
final do século XIX, em Teixeira (Paraíba), que morreu em 1955. O também poeta
Orlando Tejo foi o grande responsável pelo registro da poesia de Zé Limeira,
cantador bom de viola, voz potente, que deixava perdidos os que ousavam
desafiá-lo, soltando palavras que não existiam em nenhum dicionário, mas que o
povo achava bonitas e aplaudia. Mas não eram só palavras inexistentes que ele
usava, eram situações inexistentes também, juntando personalidades e fatos
célebres que se passaram em séculos muito diferentes. Jesus Cristo, Getúlio
Vargas, Napoleão Bonaparte, Tomé de Souza e outros vultos históricos aparecem
às vezes convivendo nos mesmos versos, às vezes em situações absurdas, como
Jesus Cristo “sentando praça na polícia”.
Orlando Tejo conheceu Zé Limeira e o
ouviu pela primeira vez em 1940. Registrou seus versos e publicou o livro “Zé
Limeira, poeta do absurdo”, cuja última edição, se não me engano, é do ano
2000. É possível encontrar esse livro em sebos, e quem tiver oportunidade não
deve perder: adquira que vale a pena. Aliás, uma lembrança: muita gente acha
que Zé Limeira não existiu, que é uma lenda criada por Orlando Tejo, pois não
existem fotos dele.
Bom, eu que sempre apreciei cantadores
de feira nordestinos, os cordéis, depois que li Zé Limeira, passei a achar
todos eles secundários. O negro analfabeto paraibano não tem quem o iguale!
Querem uma amostra dos versos dele? Lá vai.
A virgem Maria estava
Brigando com São José:
Você vendeu a jumenta
Me deixou andando a pé
Desta maneira eu termino
Voltando pra Nazaré!
Nisso gritou São José
Maria, deixa de asneira!
Vou comprar outra jumenta
Do jeitinho da primeira,
Quando ouviram uma zuada
No descer duma ladeira
Era um caminhão de feira
Que vinha da Galileia.
São José disse eu vou ver
Se tem canto na boleia
Que possa levar nós três
Até perto da Judeia!
São José deu com a mão,
O motorista parou.
Tem três canto pra nós três?
Jesus foi quem perguntou.
Disse o motorista tem,
Jesus respondeu eu vou!
E foram subindo os três.
Disse o motorista: para!
A gasolina subiu
A passagem é muito cara.
Vocês estarão pensando
Que meu carro é pau-de-arara?
São José puxou da faca
Pra furar os pneus.
Jesus já muito amarelo
Disse assim quando desceu:
Valha-me Nossa Senhora,
Que diabo fizemos eu?!
Vultos históricos
Getúlio foi home bom,
( Texto de Mouzar Benedito – adaptação
Johniere Alves Ribeiro; POEMAS DE Zé Limeira)
Algumas estrofes minhas em homenagem ao grande Zé Limeira.
ResponderExcluirFoi num porto da Bahia
Que Dom João chegou bem cedo
Dava pra contar no dedo
A bagagem que trazia
Uma dúzia de bacia
Dois fardos de algodão
Gasolina de avião
Do café trouxe a semente
Duas bíblias uma de crente
Outra do rei Salomão
Cristo enforcou Jesus
Na beira do rio Jordão
Na noite de São João
Num galho de cipó-cruz
Comeu pirão com cuzcuz
No meio da cabroeira
Na noite de sexta-feira
Cantou prosa e rezou missa
José e Maria castiça
Diria assim Zé Limeira
No tempo da ditadura
Eu rezei pro pai eterno
Fez sol mas deu bom inverno
Plantei fava e rapadura
Veja só que formosura
A “muié” de Barbosinha
Se ela tivesse sozinha
E o cachorro amarrado
Eu levava ela prum lado
E uma cuia de farinha
O pai da aviação
Por nome Drumon Andrade
Sem dó e nem piedade
Se atracou com Lampião
Na bainha um facão
Na matula um castiçal
Gritou pra São Nicolau
Acuda-me nessa hora
Disse isso e foi-se embora
Deixando um cartão postal
Por causa da Ditadura
O Brasil foi descoberto
Um navio chegou perto
Da curva da ferradura
Dom Pedro fez a leitura
Na borda da ribanceira
Cabral trouxe uma cadeira
Sem dó e sem ter clemência
Proclamou a independência
Diria assim Zé Limeira
Jesus tirou diplomança
De doutor em curamento
No primeiro atendimento
Passou a faca na pança
Da mulher do rei da França
Pra curar a joanéte
Cego estando o canivete
A mulher sentiu cosquinha
Jesus com a cara lisinha
Disse: "nega se aquete" !!
Adão foi feito do barro
Da beira do Rio da Anta
Parou, bebeu uma Fanta
Depois fumou um cigarro
Tava passando um carro
Com Madalena e João
Ela tocando pistão
Ele com a mão nos "joeio"
Ergueu o dedo do meio
E apontou pra Adão!
O pai da "filosomia"
Por nome Tristão da Cunha
Teve encravada uma unha
Prumodi um bãi d'água fria
Gritô pra Virgem Maria:
"Valei-me meu Pai Eterno
Se não fizer bom inverno
E meu feijão não vingá
Vendo tudo que sobrá
Vou pra feira e compro um terno"
Dom Pedro e Napoleão
Combinaram casamento
Compraram apartamento
Levaram cama e fogão
Sem luz na escuridão
Foi aquela "bagunceira"
Funhaharam a noite inteira
Depois ficaram de mal
Hoje é um tal de quebra-pau
Diria assim Zé Limeira
Foi quando Napoleão
Se elegeu Rei do Egito
Menelau passou-lhe "um pito"
Abolindo a escravidão
Dom Pedro com um facão
Disse: "O Brasil tá liberto"
Lampião lá no deserto
Achou aquilo engraçado
Contratou um advogado
Seu nome era Zé Roberto
São João evangelista
Rezou a missa do galo
Foi no lombo dum cavalo
Que Jesus cruzou a pista
Desceu e mostrou a lista
Com os quinze testamento
Assoprou um pé de vento
Rasgou cinco folha escura
Só restou dez escritura
Eu digo falo e sustento
Um dia no paraiso
Vi Caim chamando Adão
Dizendo que o sacristão
Na missa deu prejuizo
Da cobra cortou o guizo
Vendeu por cem mil cruzeiro
Depois comprou um carneiro
Assou porém não comeu
Ouvi de um amigo meu
Vai chover o mês inteiro
Na cidade de Belém
Por volta de meio-dia
Vi passando uma cotia
Com um bilhete de trem
Deu duas notas de cem
Prum vendedor de peneira
Eu que voltava da feira
Vi tudo e fiquei calado
Mais um dia e tô casado
Diria assim Zé Limeira
Um artista aleijadinho
D'um pau fez esculturança
Mandou entregar na França
No lombo de um jumentinho
Não achando o lugarzinho
Se livrou do carregado
E passando num mercado
Comprou vinho queijo e pão
Passagem de avião
Com o dinheiro arrecadado
Um dia na Galeléia
Tava Pedro acocorado
Fazendo força um bocado
Nisso passou uma "véia"
"Sai pra lá sua mocréia"
Disse Pedro em alvoroço
Foi quando caiu um trôço
E Pedro desenxavido
Disse a velha: "ô trem fidido"
E saiu pisando grosso
Do cantar, foi no terceiro
que o galo deu, quando Judas
se enforcou em duas mudas
grandes d'um abacateiro.
Jesus foi quem viu primeiro,
e fingiu saber de nada.
Passou Pedro em disparada
e gritou pra São Thiago:
"Corre aqui e traz um trago,
da cachaça amarelada."
(Zé Roberto)