Você irá conhecer um pouco sobre uma das mais conhecidas
peças de Ariano Suassuna – O Auto da Compadecida. Mas, antes eu o convido para
assistir alguns vídeos importantes deste autor paraibano que encanta todos
aqueles que têm contato com a sua obra.
Assim, leia com atenção e veja o que o “Imperador do
Sertão” nos oferta.
Johniere Alves Ribeiro
ARIANO SUASSUNA
Biografia
Sexto ocupante da
Cadeira nº 32, eleito em 3 de agosto de 1989, na sucessão de Genolino Amado e
recebido em 9 de agosto de 1990 pelo Acadêmico Marcos Vinicios Vilaça.
Ariano Vilar Suassuna
nasceu em Nossa Senhora das Neves, hoje João Pessoa (PB), em 16 de junho de
1927, filho de Cássia Villar e João Suassuna. No ano seguinte, seu pai deixa o
governo da Paraíba e a família passa a morar no sertão, na Fazenda Acauhan.
Com a Revolução de 30,
seu pai foi assassinado por motivos políticos no Rio de Janeiro e a família
mudou-se para Taperoá, onde morou de 1933 a 1937. Nessa cidade, Ariano fez seus
primeiros estudos e assistiu pela primeira vez a uma peça de mamulengos e a um
desafio de viola, cujo caráter de “improvisação” seria uma das marcas
registradas também da sua produção teatral.
A partir de 1942 passou
a viver no Recife, onde terminou, em 1945, os estudos secundários no Ginásio
Pernambucano e no Colégio Osvaldo Cruz. No ano seguinte iniciou a Faculdade de
Direito, onde conheceu Hermilo Borba Filho. E, junto com ele, fundou o Teatro
do Estudante de Pernambuco. Em 1947, escreveu sua primeira peça, Uma
Mulher Vestida de Sol. Em 1948, sua peça Cantam
as Harpas de Sião (ou O
Desertor de Princesa) foi montada pelo Teatro do Estudante de
Pernambuco. Os Homens de Barro foi montada no ano seguinte.
Em 1950, formou-se na
Faculdade de Direito e recebeu o Prêmio Martins Pena pelo Auto
de João da Cruz. Para
curar-se de doença pulmonar, viu-se obrigado a mudar-se de novo para Taperoá.
Lá escreveu e montou a peça Torturas de um Coração em 1951. Em 1952, volta a residir em
Recife. Deste ano a 1956, dedicou-se à advocacia, sem abandonar, porém, a
atividade teatral. São desta época O Castigo da Soberba (1953), O
Rico Avarento (1954)
e o Auto da Compadecida (1955), peça que o projetou em todo o
país e que seria considerada, em 1962, por Sábato Magaldi “o texto mais popular
do moderno teatro brasileiro”.
Em 1956, abandonou a
advocacia para tornar-se professor de Estética na Universidade Federal de
Pernambuco. No ano seguinte foi encenada a sua peça O Casamento Suspeitoso, em
São Paulo, pela Cia. Sérgio Cardoso, e O Santo e a Porca; em
1958, foi encenada a sua peça O Homem da Vaca e
o Poder da Fortuna; em 1959, A
Pena e a Lei, premiada dez anos depois no Festival Latino-Americano
de Teatro.
Em 1959, em companhia de
Hermilo Borba Filho, fundou o Teatro Popular do Nordeste, que montou em seguida
a Farsa da Boa Preguiça (1960) e A
Caseira e a Catarina (1962).
No início dos anos 60, interrompeu sua bem-sucedida carreira de dramaturgo para
dedicar-se às aulas de Estética na UFPe. Ali, em 1976, defende a tese de
livre-docência A Onça Castanha e a Ilha Brasil: Uma
Reflexão sobre a Cultura Brasileira. Aposenta-se como professor em 1994.
Membro fundador do
Conselho Federal de Cultura (1967); nomeado, pelo Reitor Murilo Guimarães,
diretor do Departamento de Extensão Cultural da UFPe (1969). Ligado diretamente
à cultura, iniciou em 1970, em Recife, o “Movimento Armorial”, interessado no
desenvolvimento e no conhecimento das formas de expressão populares
tradicionais. Convocou nomes expressivos da música para procurarem uma música
erudita nordestina que viesse juntar-se ao movimento, lançado em Recife, em 18
de outubro de 1970, com o concerto “Três Séculos de Música Nordestina – do
Barroco ao Armorial” e com uma exposição de gravura, pintura e escultura.
Secretário de Cultura do Estado de Pernambuco, no Governo Miguel Arraes
(1994-1998).
Entre 1958-79,
dedicou-se também à prosa de ficção, publicando o Romance
d’A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta (1971) e História d’O Rei Degolado nas Caatingas do Sertão / Ao
Sol da Onça Caetana (1976),
classificados por ele de “romance armorial-popular brasileiro”.
Ariano Suassuna
construiu em São José do Belmonte (PE), onde ocorre a cavalgada inspirada noRomance d’A Pedra do Reino,
um santuário ao ar livre, constituído de 16 esculturas de pedra, com 3,50 m de
altura cada, dispostas em círculo, representando o sagrado e o profano. As três
primeiras são imagens de Jesus Cristo, Nossa Senhora e São José, o padroeiro do
município.
Membro da Academia
Paraibana de Letras e Doutor Honoris Causa da Faculdade Federal do Rio
Grande do Norte (2000).
Em 2004, com o apoio da
ABL, a Trinca Filmes produziu um documentário intitulado O
Sertão: Mundo de Ariano Suassuna, dirigido por Douglas Machado e
que foi exibido na Sala José de Alencar.
(
Academia Brasileira de Letras)
O AUTO DA
COMPADECIDA (ARIANO SUASSUNA)
O
AUTO DA COMPADECIDA (ARIANO SUASSUNA)
Por Marcos Vinicius
O
teatro, isto é, o texto teatral é uma forma cultural, diferente de outras
formas culturais que têm no texto seu veículo de comunicação. Uma peça teatral,
portanto, não é a mesma coisa que um romance, um conto ou um poema. Em linhas
gerais, o teatro recebe grandes impactos dos condicionamentos de um dado
momento histórico. Esses impactos se refletem na temática, no tratamento do
assunto, nas técnicas propriamente teatrais (cenarização, cenografia, ritmo,
iluminação, etc.).
A
peça em estudo apresenta quinze personagens de cena e uma personagem de ligação
e comando do espetáculo.
PRINCIPAL:
João Grilo
OUTRAS:
Chicó, Padre João, Sacristão, Padeiro, Mulher do Padeiro, Bispo, Cangaceiro,
Manuel, A Compadecida, Antônio Morais, Frade, Severino do Aracaju, Demônio.
LIGAÇÃO:
Palhaço
João
Grilo é o personagem principal. É uma figura típica do nordestino sabido,
analfabeto e amarelo. Trabalha na padaria, vive em desconforto e a miséria é
sua companheira. Sua fé nas artimanhas que cria, reflete, no fundo,
uma forma de crença arraigada na proteção que recebe, embora sem saber, da
Compadecida. É essa convicção que o salva. E ele recebe nova oportunidade de
Manuel (Cristo), retornando- à vida e à companhia de Chicó. É uma oportunidade
inusitada de ressurreição e retorno à existência. Caberá a ele provar que essa
oportunidade foi ou não bem aproveitada.
Chicó
é companheiro constante de João Grilo. Envolve-se nos expedientes de João Grilo
e é seu parceiro, mais por solidariedade do que por convicção íntima. Mas é um
amigo leal. Padre João, o bispo e o sacristão estão concentrados em torno da
cobiça, relacionada com a situação contida no testamento do cachorro. Antônio
Morais é a autoridade decorrente do poder econômico, resquício do coronelismo
nordestino, a quem se curvam a política, os sacerdotes e a gente pobre. O
padeiro e sua mulher encarnam, de um lado, a exploração do homem pelo homem e,
de outro, o adultério. Severino do Aracaju e o cangaceiro representam a
crueldade sádica. O demônio julga, aguardando seu benefício, isto é, o aumento
da clientela do inferno. É importante verificar que representa, de alguma
forma, um instrumento da Justiça. Manuel é o Cristo negro, justo e onisciente,
encarnação do verbo e da lei. Atua como julgador final dos da prudência
mundana, do preconceito, do falso testemunho, da arrogância, da preguiça.
Personagem a personagem têm seu pecado definido e analisado, com sabedoria e
com prudência. A Compadecida é a Nossa Senhora, invocada por João Grilo, o ser
que lhe dará a segunda oportunidade da vida. É plena de misericórdia,
intervindo a favor de quem nela crê.
A
dimensão da importância do personagem João Grilo surge logo no início da peça,
quando as personagens são apresentadas ao público pelo Palhaço. Apenas duas
personagens se dirigem ao público. Uma, a chamado do Palhaço, a atriz que vai
representar a Compadecida, e João Grilo.
"PALHAÇO:
Auto da Compadecia! Umas história altamente moral e um apelo à misericórdia.
JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada" (p.24).
JOÃO GRILO: Ele diz "à misericórdia", porque sabe que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a nação seria condenada" (p.24).
Mas
a importância inequívoca de João Grilo na estrutura da peça define-se a partir
do fato de que as situações do Auto da Compadecida são todas
desenvolvidas por essa personagem:
1ª)
a benção do cachorro e o expediente utilizado: o Major Antônio Morais.
“JOÃO
GRILO: Era o único jeito de o padre prometer que benzia.”
2ª)
a loucura do Padre João, como justifica para o Major Antônio Morais.
JOÃO
GRILO: /.../ "É que eu queria avisar para Vossa Senhoria não ficar
espantado: o padre está meio doido".(p.40). "Não sei, é a mania dele
agora. Benzer tudo e chama a gente de cachorro"(p.41).
3ª)
o testamento do cachorro.
“JOÃO
GRILO: Esse era um cachorro inteligente. Antes de morrer, olhava para a torre
da igreja toda vez que o sino batia. Nesses últimos tempos, já doente para
morrer, botava uns olhos bem compridos para os lados daqui, latindo na maior
tristeza. Até que meu patrão entendeu, coma a minha patroa, é claro, que ele
queria ser abençoada e morrer como cristão. Mas nem assim ele sossegou. Foi
preciso que o patrão prometesse que vinha encomendar a benção e que, no caso de
ele morrer, teria um enterro em latim. Que em troca do enterro acrescentaria no
testamento dele dez contos de réis para o padre e três para o sacristão" (p.63-64).
4ª)
o gato que "descome dinheiro".
“JOÃO
GRILO: Pois vou vender a ela, para tomar lugar do cachorro, um gato
maravilhoso, que descome dinheiro"
5ª)
a "visita" ao Padre Cícero.
“JOÃO
GRILO: Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na
gaita e você volta" (p.127).
6ª)
o julgamento pelo Diabo (o Encourado).
“JOÃO
GRILO: Sai daí, pai da mentira! Sempre ouvi dizer que para se condenar uma
pessoa ela tem de ser ouvida!"(p.144).
7ª)
o apelo à misericórdia (À Virgem Maria).
“JOÃO
GRILO: Ah, isso é comigo. Vou fazer um chamado especial, em verso. Garanto que
ela vem, querem ver?" (p.169).
Portanto, a intenção moral, ou moralidade da peça, fica muito
clara, desde que se torne claro, também, que essa intenção vincula-se a uma
linha de pensamento religioso, e da Igreja Católica.
"PALHAÇO:
/.../ Espero que todos os presente aproveitem os ensinamentos desta peça e
reformem suas vidas, se bem que eu tenho certeza de que todos os que estão aqui
são uns verdadeiros santos, praticantes da virtude, do amor a Deus e ao
próximo, sem maldade, sem mesquinhez, incapazes de julgar e de falar mal dos
outros, generosos, sem avareza, ótimos patrões, excelentes empregados, sóbrios,
castos e pacientes" (p.137).
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