terça-feira, 12 de junho de 2012

Um pouco mais das relações existentes entre a Psicanálise e a Literatura.
Gostei muito deste artigo e por isso compartilho, espero que gotem também,


Johniere Alvesa Ribeiro

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Psicanálise e Literatura: A Interpretação
Olga de Sá


RESUMO
Trata-se das relações entre Psicanálise e Literatura, a partir dos textos de Psicanálise Aplicada de Freud, tendo como tema a interpretação de textos.
ABSTRACT
It is about the relationships between Pscychoanalysis and Literature, starting from the texts of Applied Pscychoanalysis of Freud, tends as theme the interpretation of texts.



Os estudos das relações entre Psicanálise e Literatura, Psicanálise e Semiótica estão, cada vez mais, na ordem do dia. Essas relações passam, necessariamente, pelo enfoque psicanalítico do texto do paciente e pelo enfoque literário ou/e semiótico do texto artístico, em geral, e mais especificamente, do texto literário, pois também a Psicanálise trabalha com o Verbal. Via interpretação.
A interpretação de textos artísticos e literários foi uma das atividades de análise, exercida por Freud.
Freud declarou que embora não fosse um conhecedor de arte, mas um leigo, no assunto, contudo as obras de arte sempre exerceram sobre ele um efeito poderoso, sobretudo a literatura e a escultura e, menos freqüentemente, a pintura. Passava longo tempo contemplando-as, tentando apreendê-las à sua maneira e explicar-se a razão de seu efeito sobre si mesmo e sobre outras pessoas.
Sua dificuldade maior era com a música, pois a inclinação racionalista ou analítica de sua mente insurgia-se contra o fato de emocionar-se sem poder explicar o motivo de tal comoção. Segundo Freud, as maiores criações de arte são incompreensíveis e constituem verdadeiros enigmas. Esse estado de "perplexidade intelectual" pode ser uma condição necessária para a fruição da obra de arte.
Freud, inconformado com essa falta de explicação, dirige sua análise então, para a intenção do artista, não para compreendê-la intelectualmente. Expressa na obra, essa intenção deve despertar em nós a mesma "constelação mental" que no artista produziu o ímpeto de criar.
Assim, a intenção do artista concretizada na obra, no texto, poderia ser compreendida e comunicada em palavras, como todos os outros fenômenos da vida mental.
Daí, segundo Freud, ser impossível compreender uma obra de arte, sem aplicar-lhe a Psicanálise, isto é, interpretá-la, descobrir-lhe o significado e o conteúdo. (Freud, 1992: 497).
Freud declara não ser atraído pelas qualidades formais e técnicas da arte, embora essas tenham mais valor para o artista.
Interessa-lhe saber de que fontes o artista - esse estranho ser - retira seu material e desperta em nós emoções que desconhecíamos. Somos também incapazes, por mais explicações que encontremos, de tornar-nos poetas ou escritores.
Freud levanta a hipótese de procurar, na infância, os traços da atividade imaginativa do artista. Encontra-os na atividade favorita e mais intensa da criança, que são os jogos e o brinquedo.
Ao brincar, toda criança comporta-se como um artista, cria um mundo novo, ajustando em forma nova os elementos de seu próprio mundo .
A antítese do brincar é o real.
O poeta faz o mesmo que a criança ao brincar: cria um mundo de fantasia, leva-o a sério, investe nele grande quantidade de emoção - catexia - e distingue-o muito bem da realidade.
Ao crescerem, diz Freud, as pessoas param de brincar e perdem o prazer da infância.
Mas não renunciam a ele. Trocam-no por outro, pelo fantasiar. Criam devaneios, difíceis de observar, porque os adultos se envergonham de suas fantasias e as ocultam, por serem infantis e, muitas vezes, por serem proibidas.
Conhecemos essas fantasias, porque muitas pessoas, vítimas de doenças nervosas, são obrigadas a revelar a um médico seus devaneios, para serem curadas. A Psicanálise é a melhor fonte de conhecimento das fantasias dos adultos, realizações de desejos reprimidos ( Freud, 1992: 423).
Assim, a ênfase que Freud coloca na infância, ao analisar uma obra de arte como a de Leonardo Da Vinci, por exemplo, deriva da suposição de que a obra literária como o devaneio é um substituto do brincar infantil (Freud, 1992 : 426).
Porque a obra de arte produz em nós prazer, quando o relato direto das fantasias de uma pessoa nos causa indiferença ou até repulsa?
A "ars poética" ou a técnica do escritor ou do poeta - sempre inexplicável para nós - é que nos leva a superar essas barreiras. Ou porque o escritor nos suborna com o prazer puramente formal ou estético que suaviza ou disfarça o caráter egocêntrico de seus devaneios ou porque o escritor nos proporciona um prazer semelhante ao seu, ao devanear: nos deleitamos com nossas próprias fantasias e nos liberamos de tensões (Freud, 1992: 426-7).
Essas idéias levaram Freud a endereçar sua pesquisa psiquiátrica a alguns grandes nomes da História da Arte e da Literatura, fazendo o que ele chamou a "psicografia do artista criador".
Declarou acreditar que "não existe ninguém tão grande que venha a ser desonrado simplesmente por estar sujeito às leis que regem, igualmente, as atividades normais e as patológicas"(Freud, 1992: 428).
Em seu ensaio "O poeta e a fantasia"(1908), que vamos citando, Freud focalizou a relação entre o brinquedo infantil e as fantasias criativas.
Na verdade o título inglês do ensaio "Creative Writers and Day - Dreaming" orientou a tradução brasileira da Ed. Imago "Escritores criativos e devaneios". Mas a palavra Dichter, do título alemão, refere-se tanto a romancistas como a dramaturgos e poetas.
Esse Ensaio é a maior contribuição de Freud para a compreensão da Psicologia da criação artística. Esta é, aliás, a opinião de Peter Gay, na breve introdução que lhe faz.
Freud também interpretou obras de Leonardo Da Vinci, Michelangelo, Dostoievski, Goethe, Shakespeare, Jensen, Hoffmann etc..
O primeiro estudo publicado, sobre obra literária em 1907, foi "Delírios e Sonhos na Gradiva de Jensen".
"Uma recordação infantil de Leonardo Da Vinci", de 1910, é uma biografia psicanalítica.
As considerações que Freud tece sobre a homossexualidade de Leonardo, como um tipo particular de escolha de objeto, como diz Peter Gay em seus comentários, guardam ainda hoje grande interesse (Freud, 1992: 427).
A Psicanálise descreve a psicografia de uma personalidade para compreender complexos e metamorfoses, leis da vida psicológica humana de pessoas célebres para ilustrar a teoria freudiana sobre o Inconsciente.
A Psicanálise não pretende explicar a criação artística, pois para Freud, o poeta é uma espécie de feiticeiro, guiado pela inspiração. As pulsões que levam um artista a criar seriam as mesmas que levam outras pessoas à neurose.
Porém, o artista exprime suas fantasias, torna-as aceitáveis e até prazerosas a outros, realizando os desejos próprios e os alheios.
Embora, o ensaio de Freud sobre "O Moisés de Michelangelo" seja, segundo Dante Moreira Leite, a melhor introdução sobre a maneira freuadiana de interpretar a obra de arte, por tratar-se de uma obra de escultura, não vamos enfocá-la (Leite, 1987: 117).
Vamos deter-nos em obras especificamente literárias. Por exemplo: "Uma lembrança infantil de Goethe" em Poesia e Verdade.
Segundo Freud, Goethe começou a redigir sua biografia aos 60 anos. Narra ele a cena das louças, cena de sua primeira infância. Goethe, com ciúmes de seus irmãos, incentivado pelos vizinhos, joga as louças recém-compradas pela janela, como faria "o filho único", desfazendo-se de seus irmãos.
Freud atribui grande valor às recordações da primeira infância. Um fato que escapa ao esquecimento não pode ser insignificante. Devemos suspeitar que o que foi conservado na memória é também parte importante dos acontecimentos daquela época da vida. Ou já tinha importância naquelas circunstâncias ou adquiriu-a mais tarde, sob a influência de situações posteriores. A fim de reconhecer sua relevância é necessário certo trabalho de interpretação. Na elaboração psicanalítica de uma biografia, muitas vezes, se consegue esclarecer o significado das primeiras recordações infantis. A recordação que se descreve primeiro é sempre a mais importante, a que encerra em si a chave dos compartimentos secretos da vida anímica daquela pessoa.
Mesmo levando em conta que o prazer de Goethe menino fosse causado pelo barulho das louças quebradas, jogar "pela janela" constituí parte importantíssima do ato mágico e de seu sentido oculto. A nova criança deve ser jogada "fora de casa", e, sendo possível, pela janela, que é por onde veio.
Eis o que escreve Goethe:
"Fui um filho de sorte; o destino conservou-me com vida, não obstante ter eu nascido aparentemente morto. Mas eliminou a meu irmão de modo que não precisei repartir, com ele, o amor da mãe" (apud Speyer, 1963: 44).
Goethe encabeçou sua biografia com estas palavras: "a raiz da minha força foi a minha posição privilegiada em relação à mãe" (apud Speyer, 1963: 45).
Freud se serve da análise de um texto literário para confirmar suas teorias, e, neste caso particular, o complexo de Édipo.
Analisa também o tema do parricídio na vida e na obra de Dostoievski, sublinhando o complexo de castração e o sentimento de culpa, processos derivados do complexo de Édipo.
Com o assassinato do pai, a realidade cumpriu os desejos reprimidos de Dostoievski, que passou a punir-se mais violentamente por meio dos ataques de epilepsia.
O ataque epilético é precedido por um instante de máxima felicidade, fixado talvez no sentimento de triunfo.
Semelhante sensação de triunfo e de pesar, encontramo-la retratada na obra de Dostoievski, Os irmãos Karamazoff, depois do assassinato do pai.
A condenação de Dostoievski pelo Czar (o paizinho) como delinqüente político, apesar de injusta, foi aceita pelo escritor, como substituição do castigo de que seu pecado contra seu verdadeiro pai o tinha tornado merecedor.
No romance, Dostoievski cria uma situação semelhante à sua própria: os filhos desejam matar o pai, e este é morto pelo irmão a quem Dostoievski atribui a epilepsia, como se quisesse confessar que o epilético, que havia nele, era um parricida (Freud, 1992: 203-23).
O fato de pesquisas recentes terem descoberto que o assassinato do pai de Dostoievski é duvidoso não tem grande importância. As psicobiografias não pretendem reconstruir a verdadeira infância do artista, mas descobrir que fantasias as obras de arte manifestam.
Ao analisar Os irmãos Karamazoff, por exemplo, Freud descreve a cisão da personalidade de Dostoievski nas várias personagens do romance como no estudo sobre Leonardo descreveu a escolha do objeto narcísico e certa forma de narcisismo.
Em "O tema dos três escrínios", "descreve a relação com os três aspectos maternos: a mãe que dá amor, que se torna uma parceira e que traz a morte. Sugere que a escolha do terceiro escrínio, o de chumbo, que faz Antônio em "O mercador de Veneza", representa a escolha da morte. De modo semelhante, interpreta Cordélia, em "Rei Lear", como símbolo da morte, e a reconciliação de Lear com Cordélia, a reconciliação com a morte". (Segal, 1993: 86).
Freud diz a respeito de suas próprias interpretações de obras de ficção:
"Como, aliás, todo o sintoma neurótico, e como o próprio sonho são possíveis de super-interpretação(1), que mesmo lhes é indispensável para serem exaustivamente compreendidos, assim também qualquer legítima criação poética terá nascido de mais de um motivo, de mais de um estímulo na alma do poeta, e possibilitará mais de uma interpretação. Eu aqui tentei interpretar apenas a camada mais profunda do que se passa na alma do poeta-criador" (Speyer, 1963: 52).
Em outra oportunidade diz a respeito de Shakespeare:
"Consideremos a obra-prima de Shakespeare, Hamlet, peça hoje com mais de três séculos. Tenho acompanhado de perto a literatura psicanalítica e aceito sua pretensão de que somente depois de ter tido o material da tragédia remontado pela psicanálise ao tema edipiano é que o mistério de seu efeito foi por fim explicado. Mas antes que isso fosse feito, que volumes de esforços interpretativos diferentes e contraditórios, que variedade de opiniões sobre o caráter do herói e as intenções do dramaturgo". (Freud, 1992: 497).
Foram feitas muitas críticas a Freud quanto à sua pretensão de atribuir uma única significação verdadeira e mais profunda para a obra de arte de um poeta ou artista criador: a encontrada pela análise psicanalítica. É inegável porém a contribuição da Psicanálise à arte, em geral, e à literatura, em especial, e da Arte à Psicanálise.
A Psicanálise tem tudo a ver com a palavra.
Embora tenha sido Lacan quem reexaminou todo o campo da linguagem, em Psicanálise, centrando-o no conceito de significante - tirado da lingüistica saussuriana - a partir de Breuer e Freud já se destaca o traço da "verbalização", na análise psicanalítica.
No caso de Anna O ., ela curou-se não só pela "tomada de consciência" de seu trauma, mas por ter finalmente falado o que nunca havia dito antes. Foi uma cura pela palavra, como a chamou Anna O .: "talking cure". Curou-se porque conseguiu dizer o nojo que sentiu, ao ver o cão beber água no copo.
As formações do Inconsciente são reguladas pela linguagem. "O Inconsciente é estruturado como linguagem", dirá Lacan. É o que acontece no sonho, cuja interpretação é chamada a via régia da Psicanálise. Texto complexo, sua leitura exige uma atenção particular do analista. É também o caso do chiste que engana a censura, dando a entender o que é proibido, como demonstra Freud em seu artigo: "Os chistes e sua relação com o Inconsciente"(1905). (Freud, 1992: V. VIII).
É o caso dos lapsos de linguagem, dos atos falhos que aludem a um desejo, expressando-o pela metáfora ou pela metonímia.
Aliás, para Lacan, é porque fala que o sujeito se pergunta "Quem sou eu?" e se engaja na busca do ser. Assim, Lacan designa o ser humano como "falasser", porque o ser é um efeito da linguagem.
A Linguagem é importante para o ser humano, na infância, antes mesmo da intenção de significar. O significante não é apenas um efeito de sentido. O "Homem dos ratos", analisado por Freud, é tomado pelo desejo de emagrecer. "Gordo" em alemão é "dick" e Dick é o nome de um rival, de quem o Homem dos ratos queria se desfazer. Matar Dick é o mesmo que "dick" = emagrecer.
O sintoma substitui o que não foi dito. O sintoma, no caso, é o "significante"de um significado, inacessível ao sujeito.
O "Homem dos lobos", também analisado por Freud, é um exemplo conhecido e esclarecedor. Aparece, no tratamento, sempre o mesmo símbolo representado pela letra V ou o cinco romano V. Às cinco da tarde o paciente tinha crises depressivas, em sua infância. Essa também era a hora de uma cena primitiva: ele vira os pais mantendo relação sexual. Teve também conflitos com diversas pessoas, cujo nome começava com V ou W. em sonhos; simbolizando a castração, são arrancadas as asas de uma vespa (Wespe) que ele diz espe ou SP. O V invertido à representa as orelhas dos lobos.
Assim, talvez se devesse fazer referência mais à poética que à lingüística, quando se trata de interpretação. O analista deve estar atento às diversas conotações do significante. A estrutura da linguagem não se esgota na dimensão horizontal: sintaxe e articulação de sintagmas. Mas se torna mais complexa com as figuras ou tropos: metáfora - uma palavra substitui outra - ou metonímia - conexão de uma palavra com outra. Assim se criam novas significações.
Metáfora e metonímia podem ser aproximadas dos processos oníricos: condensação e deslocamento.
O texto literário e o texto do paciente exigem interpretação. Existe sempre um sentido manifesto e um sentido latente, que o analista faz surgir. Esta foi uma das principais contribuições de Freud ao conhecimento do sujeito humano.
Também , no caso dos sonhos, se interpreta o sonho manifesto, para que se revele o sentido latente, escondido freqüentemente sob seus aspectos absurdos e incoerentes, levando sempre em conta as associações do sonhador.
A interpretação jamais deve privilegiar um sentido em detrimento de outros possíveis, devido a cadeias associativas diferentes.
A polissemia caracteriza a linguagem. A poesia, por exemplo, faz ressoar muitos sentidos.
Assim também, o analista evita que suas intervenções sejam entendidas como unívocas. Mas, baseado nas palavras mestras que orientam a história do paciente, o analista faz valer o caráter polissêmico das palavras.
A interpretação apresenta ao paciente novas significações, como acontece na interpretação de um texto literário. O crítico ou analista de uma obra literária jamais afirma que sua leitura é a verdadeira, e muito menos, a única possível.
As aproximações que nos ocorrem a respeito de interpretação psicanalítica e interpretação literária nos fazem lembrar da paródia e da paráfrase.
Geralmente se entende paródia no sentido de burla ou zombaria.
Tomamos paródia no seu sentido etimológico de "canto paralelo". A paródia, neste sentido, é um texto-segundo, que se constrói sobre um texto-primeiro, que lhe serve de suporte. Existe, portanto, a paródia séria, sobre um texto, que o artista admira e respeita e com o qual dialoga, uma espécie de intertexto.
Teçamos algumas considerações apoiadas nas observações de Affonso Romano de Sant'Anna.
A paródia é modernidade. Embora não seja recente, intensificou-se o seu uso.
A paródia se define como um jogo de textos e este aspecto é que nos interessa, no momento. Um jogo de textos em que os dois planos aparecem deslocados. Emprega-se a fala de um outro, no caso da Psicanálise, do Inconsciente. A segunda voz, depois de se ter alojado na outra fala, obriga-a a decifrar-se.
A paráfrase não acentua esse aspecto de deslocamento. Ela traduz. Colhendo um conhecido exemplo literário, segundo Sant 'Anna:
Texto original: Gonçalves Dias:
Minha terra tem palmeiras
Onde canta o sabiá
As aves que aqui gorjeiam
Não gorjeiam como lá
Paráfrase - Carlos Drummond de Andrade - "Europa, França e Bahia"
Meus olhos brasileiros se fecham saudosos
Minha boca procura a "Canção do Exílio"
Como era mesmo a "Canção do Exílio?"
Eu tão esquecido da minha terra...
Ai terra que tem palmeiras onde canta o sabiá!
Paródia - Oswald de Andrade - "Canto de regresso à Pátria"
Minha terra tem palmares
onde gorjeia o mar
os passarinhos daqui
não cantam como os de lá.
Na paráfrase de Drummond, o deslocamento é mínimo e ele usa uma técnica de citação ou transcrição. No texto de Oswald, o distanciamento é grande e ocorre um processo de inversão de sentido.
A paródia está do lado do novo, do diferente; a paráfrase, do lado do idêntico, do semelhante. A paródia contesta. A paráfrase é conservadora.
Na paráfrase alguém está abrindo mão de sua voz para deixar falar a voz do outro. Na paródia, busca-se a fala recalcada do outro.
A paráfrase é um discurso sem voz, pois está falando o que o outro já disse. Não há a tensão entre os dois jogadores. A paródia é uma disputa aberta de sentido, um choque de interpretação.
Pode-se também explorar a relação que existe entre paródia e representação. A representação na literatura está ligada ao drama e ao teatro; mas, na psicanálise, representação é re-apresentação.
A re-apresentação psicanalítica é a emergência de algo que ficou recalcado e agora volta à tona. É como o que ocorre no sonho. O sonho nos re-apresenta algum desejo não realizado no dia-a-dia. O sonho nos possibilita desrecalcar e liberar nossas tensões. O texto paródico faz uma re-apresentação do discurso. A paráfrase é uma espécie de espelho. A paródia é uma lente que exagera os detalhes de tal modo que pode converter uma parte num elemento dominante. Ela procura decifrar o enigma da Linguagem, busca a diferença e autonomia. (Sant'Anna, 1988: cap. 5 e 6).
Em certos casos, no contexto psicanalítico, o doente sofre de uma afasia sensorial e não pode pronunciar a palavra; permanece na paráfrase enquanto repetição, e não encontra o sinônimo.
Lembremos a afirmação de Heidegger: "A linguagem é a casa do ser" e, portanto, as patologias da linguagem são sintomáticas das patologias do ser e estas sempre se manifestam na linguagem.




REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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