sexta-feira, 2 de maio de 2014

Gabriel Garcia Márquez - Nos deixa o Premio Nobel, se vai um contador de história

Dificilmente um escritor agrada a todos. Até porque não dar para servir a dois senhores, quanto mais a milhões de leitores pelo mundo. Também, é certo que a quase nenhum crítico de literatura um escritor agrada. Principalmente, quando este cai nas “graças do povo”. Contudo, nem sempre o escritor – ao produzir seus textos ficção, tem uma preocupação exaustiva com o que a critica vai dizer ele simplesmente escreve e quer ser lido. Talvez, tenha sido a postura de Gabriel Garcia Márquez, escritor da américa-latina premio Nobel da Literatura que a pouco tempo nos deixou.     
Trago abaixo dois textos do escritor paraibano Bráulio Tavares que comenta aspectos importantes sobre Márquez. Assita também aos vídeos.
Boa Leitura!

Johniere Alves Ribeiro 

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Entrega del Premio Nobel de Literatura a Gabriel García Márquez (1

O navio fantasma – Por Bráulio Tavares
PUBLICADO EM 22/04/2014 ÀS 08:00H
A morte de García Márquez me deu aquela tristeza de saber que nunca mais ouvirei falar sobre “o mais novo livro de García Márquez”. Geralmente, compenso esse efeito melancólico com a lembrança de que não li a maior parte do que o autor escreveu, então, bem ou mal, quando eu pegar para ler “O veneno da madrugada” ou “Doze contos peregrinos” é como se fosse um livro com a tinta ainda úmida.
Fui dar uma relida nos textos dele online e me bati com um pequeno mistério, que aproveito para dividir. GGM tem um continho curto que é uma beleza, “A última viagem do navio fantasma”, um daqueles contos de parágrafo único que nos arrebatam da primeira à última palavra e se transformam numa pequena epifania literária. É a história de um menino num povoado à beira-mar que vê passar um navio fantasma (que somente ele vê) o qual acaba afundando; isso se repete todo ano, na mesma data, e ele pensa que é a reconstituição sobrenatural de um fato ocorrido num passado remoto.
Não tirarei de ninguém o prazer da leitura dessa joiazinha de apenas 2 mil palavras (dá mais ou menos a extensão de 4 artigos como este), num fluxo de imagens que aqui lembram Ray Bradbury, ali Mario Quintana, mais adiante Marc Chagall ou Fellini. No final (que não revelarei), o menino tem um vislumbre do nome do navio, quando o descreve: “...veinte veces más alto que la torre y como noventa y siete veces más largo que el pueblo, con el nombre grabado en letras de hierro, balalcsillag...”.
Nome esquisito, que parece inventado, não é mesmo? Mas hoje temos São Google, em cujo altar dou minhas clicadas cotidianas. Lá vou eu perguntar pelo nome. Praticamente todas as respostas se reportam ao conto de Márquez, que é reproduzido mundo afora em várias línguas. Mas no alto da página o Google faz aquela ressalvazinha robótica de sempre: “Você quis dizer ‘halálcsillag?”. Era tão parecido que eu cliquei, pensando, “sim, digamos que foi isso mesmo”.
Fui dar numa página cheia de que? De reproduções da “Estrela da Morte”, a Death Star de “Star Wars”. “Halálcsillag” (começando por um “H” e com um acento no segundo “A”) é o nome da Estrela da Morte em húngaro (magyar)! Que coincidência é essa? A Wikipédia em espanhol dá a data do conto como sendo 1968, ou seja, muito antes do filme de George Lucas, e a publicação em livro foi no volume “A incrível e triste história de Cândida Erêndira e sua avó desalmada”, que é de 1972. Não tenho o livro, não sei se nas traduções se mantém esse nome (é nas últimas linhas do conto). A questão é: Por que motivo o nome do navio gigantesco do conto de Márquez é quase igual ao nome da Death Star em húngaro? Hipóteses serão bem-vindas.
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PUBLICADO EM 01/05/2014 ÀS 08:00H
A imprensa do mundo inteiro está dando um balanço na obra literária de Garcia Márquez, falecido recentemente. Não direi que ele era uma unanimidade junto ao público e à crítica; conheço pessoalmente gente que não gosta, que o acha meio “macumba para turistas”, um “folclorizador da miséria, como Jorge Amado” (já ouvi isto). Eu não acho. A leitura de “Cem Anos de Solidão” aos 20 anos mudou minha compreensão da literatura e da América Latina. Curiosamente, muitos que não gostam de Márquez são fãs de Borges. Veem Borges como o que todo latino-americano deveria ser: civilizado, lendo latim e alemão, conhecendo a filosofia clássica e pensando de forma apolínea (Borges detestaria essa descrição, aliás injusta; é o modo como ele é visto, não o que ele era). Márquez era um escritor formado em redação de jornal, esquerdista, bigodudo, plebeu total.
Seu discurso de recebimento do Prêmio Nobel traça duas linhas paralelas de sua visão da América Latina, dando substância ao que veio a se chamar de realismo mágico. Por um lado, há os aspectos bizarros e extraordinários da realidade física e mental do continente, tudo que parece estranho aos que vêm do Hemisfério Norte e determinam o que é normal e o que não é. Por outro lado, há a espantosa desigualdade social do continente, resultado da pororoca inicial e posterior convivência entre a brutalidade do colonizador e a do colonizado (aqui se praticava a escravidão, o canibalismo, os sacrifícios humanos).
Nos seus romances, muitos detalhes atribuídos ao realismo mágico eram meras reconstituições de fatos históricos. Nisso, Márquez dava uma lição que autores tão diferentes como Tim Powers ou Bruce Sterling souberam utilizar bem: pegue da realidade o que ela tiver de mais inacreditável, e deixe sua ficção apenas um ponto abaixo. Qualquer crítico que listar as coisas mais impossíveis do enredo vai quebrar a cara ao ver que eram reais.
Na outra mão desse processo, Márquez fazia relatos jornalísticos, reconstituições de episódios reais, com os artifícios da ficção: “Relato de um Náufrago”, “Notícia de um Sequestro”, “A Aventura de Miguel Littín clandestino no Chile”... Alguns amigos meus (e alguns críticos literários) se queixam de que isso não é jornalismo, porque Márquez mudava detalhes, personagens ou situações para acomodá-los a sua conveniência narrativa. Muito bem, que não seja jornalismo, que seja então ficção inspirada em fatos reais. O que importa é que a volúpia narrativa está toda ali, e eu não sei se Euclides em “Os Sertões” ou Graciliano em “Memórias do Cárcere” foram mais fiéis aos fatos do que ao significado dos fatos. Há uma diferença.


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