Lima Barreto ainda continua fazendo
barulho na terra dos Bruzundangas
Lima Barreto é um autor
do Pré-Modernismo Brasileiro. Sua escrita tem como marca a ironia, a sátira, a
crítica, etc, a toda estrutura da sociedade burguesa brasileira de sua época.
Além disto, apresenta uma narrativa pautada em olhar diferenciado para aqueles
da periferia e sem investimento dos poderes públicos.
Mas, sua voz ainda ecoa
nos quatros do Brasil, como você poderá ler no texto de Bráulio Tavares, que
utiliza o escritor pré-modernista para avaliar situações sociais contemporâneas.
Boa leitura .
Johniere
Alves Ribeiro
________________________________________________
io Tavares
Lima Barreto: ser doutor
Lima Barreto: ser doutor
19/02/2014 ÀS 08:00H
Tempos
atrás houve um bafafá num edifício residencial do Rio porque um morador, que
era juiz ou advogado, discutiu com um empregado do prédio por algum motivo, e
se irritou quando o rapaz o chamou de “Seu Fulano” em vez de “Doutor Fulano”. O
caso foi parar na polícia, na imprensa e nos tribunais, onde finalmente surgiu
uma sentença afirmando que ninguém era obrigado a chamá-lo de doutor somente
porque ele tinha curso superior. (Há um certo consenso de que “doutor” não é
quem é advogado ou médico: é quem tem doutorado, e fim de papo.)
Nesse titulozinho se esconde, por um lado, a empáfia dos bem-nascidos a quem sempre se destinou o ensino superior no país, e, por outro, a ânsia de ascensão social dos humilhados e ofendidos que acham que um anel no dedo e um diploma na parede irá branquear sua pele e europeizar seu sobrenome. Ninguém exprimiu com mais ironia essa sofrida ilusão do que Lima Barreto (ele também mulato e pobre) em “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” (1909), quando o personagem prepara sua ida para o Rio de Janeiro, onde pensa ter garantido um emprego e a possibilidade de custear seus estudos. Diz Isaías, no capítulo 1:
“Ah! Seria doutor! Resgataria o pecado original do meu nascimento humilde, amaciaria o suplício premente, cruciante e onímodo de minha cor... Nas dobras do pergaminho da carta, traria presa a consideração de toda a gente. Seguro do respeito à minha majestade de homem, andaria com ela mais firme pela vida em fora. Não titubearia, não hesitaria, livremente poderia falar, dizer bem alto os pensamentos que se estorciam no meu cérebro. (...) Ah! Doutor! Doutor!... Era mágico o título, tinha poderes e alcances múltiplos, vários, polifórmicos... (...) De posse dele, as gotas de chuva afastar-se-iam transidas do meu corpo, não se animariam a tocar-me nas roupas, no calçado sequer. O invisível distribuidor dos raios solares escolheria os mais meigos para me aquecer, e gastaria os fortes, os inexoráveis, com o comum dos homens que não é doutor. Oh! Ser formado, de anel no dedo, sobrecasaca e cartola, inflado e grosso, como um sapo antes de ferir a martelada à beira do brejo; andar assim pelas ruas, pelas praças, pelas estradas, pelas salas, recebendo cumprimentos: Doutor, como passou? Como está, doutor?”
Não há como não perceber, no episódio do prédio carioca, a razão da ansiedade com que esse bacharel arrogante exigia dos demais o tratamento mágico. Como tantos brasileiros, como o alferes de Machado em “O espelho” (que sem o uniforme tornava-se invisível) ele próprio achava que não era nada, e que só o título poderia resgatá-lo do nada.
Nesse titulozinho se esconde, por um lado, a empáfia dos bem-nascidos a quem sempre se destinou o ensino superior no país, e, por outro, a ânsia de ascensão social dos humilhados e ofendidos que acham que um anel no dedo e um diploma na parede irá branquear sua pele e europeizar seu sobrenome. Ninguém exprimiu com mais ironia essa sofrida ilusão do que Lima Barreto (ele também mulato e pobre) em “Recordações do Escrivão Isaías Caminha” (1909), quando o personagem prepara sua ida para o Rio de Janeiro, onde pensa ter garantido um emprego e a possibilidade de custear seus estudos. Diz Isaías, no capítulo 1:
“Ah! Seria doutor! Resgataria o pecado original do meu nascimento humilde, amaciaria o suplício premente, cruciante e onímodo de minha cor... Nas dobras do pergaminho da carta, traria presa a consideração de toda a gente. Seguro do respeito à minha majestade de homem, andaria com ela mais firme pela vida em fora. Não titubearia, não hesitaria, livremente poderia falar, dizer bem alto os pensamentos que se estorciam no meu cérebro. (...) Ah! Doutor! Doutor!... Era mágico o título, tinha poderes e alcances múltiplos, vários, polifórmicos... (...) De posse dele, as gotas de chuva afastar-se-iam transidas do meu corpo, não se animariam a tocar-me nas roupas, no calçado sequer. O invisível distribuidor dos raios solares escolheria os mais meigos para me aquecer, e gastaria os fortes, os inexoráveis, com o comum dos homens que não é doutor. Oh! Ser formado, de anel no dedo, sobrecasaca e cartola, inflado e grosso, como um sapo antes de ferir a martelada à beira do brejo; andar assim pelas ruas, pelas praças, pelas estradas, pelas salas, recebendo cumprimentos: Doutor, como passou? Como está, doutor?”
Não há como não perceber, no episódio do prédio carioca, a razão da ansiedade com que esse bacharel arrogante exigia dos demais o tratamento mágico. Como tantos brasileiros, como o alferes de Machado em “O espelho” (que sem o uniforme tornava-se invisível) ele próprio achava que não era nada, e que só o título poderia resgatá-lo do nada.
Características gerais
do autor:
Lima Barreto foi o crítico mais
agudo da época da República Velha no Brasil, rompendo com o nacionalismo ufanista e pondo a nu a roupagem da República,
que manteve os privilégios de famílias aristocráticas e dos militares.
Em sua
obra, de temática social, privilegiou os pobres, os boêmios e os arruinados. Foi severamente
criticado pelos seus contemporâneos parnasianos por seu estilo despojado, fluente e
coloquial, que acabou influenciando os escritores modernistas. É um escritor de
transição: fiel ao modelo do romance realista e naturalista do final do século XIX, procurou
entretanto desenvolvê-lo, resgatando as tradições cômicas, carnavalescas e
picarescas da cultura popular,
ao mesmo tempo em que manteve "uma
visão neo-romântica e
elegíaca da natureza, da cidade e do ser humano".2
Também
queria que a sua literatura fosse militante. Escrever tinha finalidade de
criticar o mundo circundante para despertar alternativas renovadoras dos
costumes e de práticas que, na sociedade, privilegiavam pessoas e grupos. Para
ele, o escritor tinha uma função social.
Cronologia das obras:
·
1905 - O Subterrâneo
do Morro do Castelo
·
1911 - O homem que sabia javanês
·
1912 - As Aventuras
do Doutor Bogóloff
·
1915 - Triste Fim de Policarpo Quaresma
·
1915 - Numa e a
Ninfa
·
1919 - Vida e Morte de M. J. Gonzaga de Sá
·
1920 - Histórias e Sonhos
·
1922 - Os
Bruzundangas
·
1923 - Bagatelas
·
1948 - Clara dos
Anjos (póstumo)
·
1953 - Diário Íntimo
·
1953 - Feiras e Mafuás
·
1953 - Marginália
·
1956 - Cemitério dos Vivos (póstumo e
inacabado)
·
1956 - Coisas do Reino de Jambom
·
1956 - Impressões de Leitura
·
1956 - Vida Urbana
·
1956 - Correspondência,
Ativa e passiva 2 tomos
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